O Circuito das Artes é uma amostra sintomática: a Bahia tem muita produção e poucos metros quadrados para mostrar isso. Parece que a exposição almeja ser uma espécie de catálogo tridimensional do que é feito hoje na Bahia, mas no lugar da padronização promovida pela fotografia o recurso para o melhor aproveitamento do espaço foi a premissa de que as obras deveriam medir no máximo 30 cm x 30 cm. Em geral são em número de três e seguem o mesmo estilo, se auto-completando, ou mesmo formam uma seqüência, o que deixa a impressão que as obras foram feitas especialmente para a amostra. Não estão no meio da parede, solitárias como de costume. Agrupadas ou dispostas uma acima da outra, as telas passam a impressão que visito a cada espaço um novo número de uma revista em quadrinhos (ANEXO III). Algumas séries inclusive sugerem realmente uma história.
O Circuito das Artes serviu para movimentar de maneira diferenciada o mercado das artes na cidade. Foi uma boa oportunidade para que os artistas comercializassem suas obras e para os compradores também, pois a grande variedade de preços estava compatível com a diversidade de reconhecimento dos artistas e com o porte das obras. Vale frisar que a idéia da amostra partiu da Galeria ACBEU e isso justifica os rumos comerciais que a amostra toma.
O fato de a exposição estar distribuída em vários espaços constrói uma ponte entre o público e privado, entre galeria e museu, entre essas duas instâncias que parecem tão distantes e antagônicas, mas que ambas estão vinculados à difusão das artes. Interessante ver o museu quebrando barreiras e deixando a arte ser comercializada em seus espaços, o que há algum tempo atrás poderia ser considerado falta de ética. Essa ponte, além de promover um raro diálogo, serve para divulgar ambos os espaços dinamizando seus públicos, deslocando também o eixo das artes visuais do tradicional Museu de arte Moderna da Bahia.
O circuito exibe um pequeno panorama da arte produzida na Bahia e chama atenção pela diversidade de suportes, técnicas e propostas. Compõem a amostra instalações, vídeos, cerâmicas, pintura, escultura, collages... Em meio a essa multiplicidade de técnicas, no que tange as representações, teve espaço para o figurativo e para o abstrato, o que é um dado interessante que traz esse caráter arqueológico e incerto que a arte de hoje possui. Os artistas parecem sempre ter oscilado entre o clássico e o romântico, entre o racional e o irracional, entre razão e emoção, divididos em ciclos definidos. Porém chega um ponto em que a arte apresenta um certo hibridismo que não permite que esse ciclo se feche com clareza.
Duas composições Sem título do ano de 2009 de arte abstrata, uma de Luiz Varanda (ANEXO I) e a outra de Carmem Valente (ANEXO II), chamam a atenção em meio a maioria de obras figurativas. Pelo caráter abstrato essas telas têm muito em comum, mas também muitas diferenças, o que contraria o recorrente pensamento preconceituoso que ainda hoje perpassam sobre a arte não figurativa.
Nas peças de Varanda é possível perceber um elemento de temporalidade e de pesquisa na medida em que aparecem partes das telas em branco seguidas de sobreposição de cores. Apesar de em um primeiro momento essas parecerem ser apenas pinceladas displicentes, a obra se revela uma forma de expressão pautada nos artifícios da cor. As cores laranja e ciano vão se auto-sobrepondo como se fossem ondas e encontram-se até chegar ao preto, cor resultante que as define como complementares no que se refere a cor-pigmento. Dessa forma a obra parece representar as cores e suas sombras. Inclusive o ultimo quadro pode-se consideram um tanto mais “sombrio” que os demais.
Ver essas obras no contexto da cidade de Salvador nos remete aos estudos de ótica, nas pesquisas das cores em Van Gogh, na ousadia colorida de Matisse e no desprendimento do representativo de Kandinsky, além de muitos outros ainda, se formos percorrer os encadeamentos da história da arte. Esses quadros não estariam aqui se não fosse toda uma trajetória de experimentação. Os artistas da Bahia também pintam dessa forma, o que mostra que no mundo em que tudo tem que ser racionalizado e objetivo a cores e seu teor subjetivo ainda fascinam os artistas de todo mundo.
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