quinta-feira, 26 de março de 2009

Almandrade, singularidade no cenário artístico baiano


Cada um pode preencher o vazio a sua maneira. Para o observador acostumado a ter uma obra “acabada” diante de si pode ser uma experiência de estranheza estar dentro da obra de arte. Uns podem ser barrados pelos elásticos, outros, quem sabe, ultrapassarão sem pudores esta barreira e os mais ousados poderão até se arriscar a utilizar a cadeira. Essa é a tônica que promete emanar da instalação Labirinto para o olhar, do artista plástico Almandrade, que ficará exposta até 4 de janeiro de 2009, na Galeria do Conselho, anexo ao palácio da Aclamação, Campo Grande.


Os visitantes encontrarão nada mais que o essencial. Em meio às paredes brancas são estendidos elásticos vermelhos e no centro uma cadeira de veraneio que no lugar do assento de lona apresenta também um elástico vermelho. Cada elemento tem o seu lugar bem definido que dialoga com o espaço e a luz. Essa última, teatraliza a cadeira e dá continuidade as formas retilíneas dos elásticos tencionados. Conceito e geometria, planejamento e execução percorridos com coerência precisa, característica do autor.


Labirinto para o olhar se relaciona com a construção nova que se dá a cada passo, a cada ângulo que se observa a disposição dos elementos de uma instalação. Pensamentos preenchem o estático vazio silencioso, recortado pela tensão dos elásticos, com tentativas de desvendar seu significado, de sair deste labirinto que por falta de uma obra referencial deixa o olhar do observador perdido...


O vazio, tanto como premissa na composição objeto-espaço-observador quanto pela ausência de elementos, faz parte do labirinto como uma ausência que carrega uma aura arqueológica e que absolutamente não é saudosista. Contesta não só a arte, mas sua embalagem, o invólucro proposto como ideal: o cubo branco, onde o silencio e o distanciamento são instituídos. Para Almandrade “Nesse espaço onde se cumpre religiosamente o ritual de olhar, o espectador se defronta com um pedaço de deserto, paredes brancas, quase nada para ver, somente as linhas definidas pelo elástico estendido, reflete”. O artista ainda completa “É permitido o devaneio, e ele dá sentido àquilo que vê”.


Apoiada pela Fundação cultural do Estado através do edital “Portas abertas para as Artes Visuais”, a obra não poderia dizer mais de seu criador. Artista plástico e poeta, formado em arquitetura, ele se mostra um artista versátil dentro de sua proposta. Nos seus 34 anos de carreira nas artes visuais caminhou pelo desenho, pintura, escultura, instalações e poesia. Transita entre a bi e a tridimensionalidade, entre a imagem e a palavra de forma fluida. A metamorfose de uma para outra às vezes não se completa e mesmo observando duas formas de expressão distintas elas parecem falar a mesma língua.


Apesar de percorrer o figurativo no início da carreira, fincou sua identidade pautada na arte conceitual, nos concretistas, neo-concretistas e minimalistas. Sempre os poucos elementos e o aspecto enxuto que vai direto ao ponto vão imperar em suas criações. “As minhas pinturas e esculturas são pensadas e executadas dentro de um mesmo princípio. A realização de uma única coisa ou criar, com o mínimo, um mundo” comenta em seu último livro Escritos sobre arte: arte, cidade e política cultural, lançado pela editora Cispoesia.


Almandrade, provavelmente por influência de sua formação em arquitetura, demonstra preocupação com a articulação entre objeto, espaço e cidade. Constrói seu imaginário criando objetos e situações que dialogam com a cidade, posto que é seu avesso deslocado no tempo e espaço. Sua racionalidade contrasta com a desordem, o caos, o excesso de informações e os modismos de uma sociedade saturada de tudo. Sua assepsia contrasta com as imagens da sociedade midiática e se distancia da colorida e construída baianidade. No mínimo um artista singular e constantemente inovador no cenário cultural da cidade de Salvador.


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Um comentário:

Maína Pinillos Prates disse...

Eu to no vazio, sou uma obra de arte?